terça-feira, 29 de junho de 2010

Tradução e Interpretação Bíblica

A Tradução e Interpretação da Bíblia
Para definir o que seria tradução, sem deixar suspeitas, utilizo o texto da Enciclopédia Barsa ao discorrer sobre este assunto:
“Em linguística, tradução é o ato ou efeito de reproduzir termo ou discurso de uma língua por termo ou discurso de outra. Diz-se interlingual, e seu estudo está afeto à linguística comparada. Pode acontecer que se trate de um sistema de signos, de uma língua não-natural: tradução de uma partida de xadrez, por exemplo, com suas convenções. Nesse caso a tradução é chamada intersemiótica. E pode acontecer, ainda, que a tradução se processe no interior de uma mesma língua, que consista na troca de uma palavra por um sinônimo ou locução equivalente: a tradução será, nesse caso, intralingual.
A tradução pode ser livre, palavra por palavra e literal. Na tradução livre, as equivalências são usadas com inteiro desembaraço: palavra traduzida por frase etc. Na tradução palavra-por-palavra, as substituições obedecem rigidamente, como o nome indica, à equivalência palavra-palavra. Na tradução literal, que é um meio termo entre as duas, procura-se um compromisso entre a língua de origem e a língua em que está sendo vertida. Será interlinear quando se fizer acompanhar, na entrelinha, pelo texto original; justalinear, quando o original é posto ao lado da tradução.
Na busca dos equivalentes, a grande dificuldade consiste em evitar o que se chama em linguística interferência, como a ruptura da norma da língua em que se traduz por falsa analogia com a língua original. O inglês diz: it sells like hot cakes, isto é, ‘vende bem’. Seria interferência traduzir ‘vende como panquecas’ (e pior ainda, literalmente, ‘vende como bolinhos quentes’).
Outra armadilha comum: imaginar que a semelhança de forma corresponda a uma identidade de significado: eventually (inglês) quer dizer ‘finalmente’ e ‘eventualmente’ (português) quer dizer ‘casualmente’, ‘fortuitamente’; catholic (inglês) quer dizer ‘geral’, ‘universal’, ‘eclético’, e católico (português) quer dizer ‘de religião católica’; accent (inglês) quer dizer ‘sotaque’ e acento (português), ‘sinal diacrítico’.
Quando as interferências são assimiladas pela língua do tradutor, perdem a virulência e são ditas empréstimos.
Cada língua tem um sistema fonológico (sistematização da sustância fônica) característico. O mesmo acontece, ainda que de maneira menos radical, com as categorias gramaticais. Enquanto o português opõe o singular ao plural, em outras línguas há também o dual. O dual árabe kitãbain, por exemplo, traduzir-se-á no plural português livros. A categoria de gênero também atua como distinção feita no sistema, não como reflexo da realidade. Assim, há em francês la mer (feminino); em português, o mar (masculino); em inglês the sea (neutro). Na sintaxe há, para ‘ele atravessou o rio a nado’, a forma inglesa equivalente ‘he swan across the river’, onde o verbo português corresponde a uma preposição em inglês e o grupo nominal a nado a um verbo: to swim (no passado, swam).
Sendo impossível conseguir uma paridade total de significados, deve o tradutor estabelecer suas prioridades e decidir quais os traços significativos que sacrificará em benefício das equivalências possíveis.
Em literatura, a tarefa deixa de ser uma operação apenas linguística para tornar-se uma transposição, que poderá ser, conforme o caso, adaptação, modernização e, até mesmo, exegese e interpretação.
A forma-conteúdo é, na obra literária, uma ‘necessidade’. Além de operação linguística, a tradução literária exige uma operação literária; exige do tradutor ser um escritor, um poeta. Nesse caso, além do conhecimento específico da língua original e da sua, exigir-se-á do tradutor um cabedal de formas poéticas, domínio das possibilidades estéticas da língua em que escreve e, sobretudo, capacidade de recriação.
Se é difícil traduzir prosa, muito mais difícil ainda é traduzir poesia. Mas afirmar, para o texto literário, em prosa ou verso, a impossibilidade de tradução seria disparatado. A equivalência obtida é que poderá ser mais ou menos satisfatória”. (Enciclopédia Barsa, volume 15, p. 166 e 167).
Quanto à interpretação bíblica, quero me valer de Hb 7.2, tanto para explicar o que seria, como para diferenciá-la da tradução. O texto reza:

w-| kai. deka,thn avpo. pa,ntwn evme,risen VAbraa,m( prw/ton me.n e`rmhneuo,menoj
basileu.j dikaiosu,nhj e;peita de. kai. basileu.j Salh,m( o[ evstin basileu.j
eivrh,nhj(

“[Melquisedeque,] a quem repartiu Abraão o dízimo de tudo, sendo
primeiramente por interpretação ‘rei de justiça’ e depois também ‘rei de
Salém’, isto é, ‘rei da paz”.

A importância deste versículo para a questão que aqui queremos explicar é que a personagem Melquisedeque possuía duas significações para o cristianismo, uma vinda da tradução e outra da interpretação. Dizia o texto do Antigo Testamento que Melquisedeque era rei da cidade de Salém, nome antigo da cidade de Jerusalém (ver Sl 76.2), que se traduzia por “paz” desde sua forma hebraica antiga (salém), passando pelo hebraico dos dias dos reis (shalom ou salom). Mas Hb 7.2, como vemos acima, nos diz que a interpretação da pessoa de Melquisedeque tinha prioridade ou importância superior em comparação com a tradução. Pela interpretação, Melquisedeque era rei de justiça, porque foi a ele que o patriarca Abraão deu o dízimo, demonstrando que a vitória que obteve na guerra contra os cinco reis fora dada por Deus, portanto, era justo que o sacerdote, o representante de Deus, recebesse os dez por cento do despojo da guerra.
Ao contrário da tradução, a interpretação bíblica não vem pelo conhecimento de duas línguas, mas pelas informações que estão nas entrelinhas do texto sagrado, seja pela intenção de Deus ou pelas confluências de ideias que existem numa passagem bíblica em relação às demais. A interpretação bíblica depende do contexto geral das Escrituras e da participação do Espírito Santo, que é o verdadeiro autor do texto sagrado (1Co 1.12-16; 2Pe 1.20, 21). A determinação da interpretação correta é dada pela Igreja (composta por todos aqueles que verdadeiramente possuem o Espírito de Cristo, Jo 7.37, 38; 14.15-23; Rm 8.1, 2, 9, 13-17; 1Co 6.19-11; Gl 4.4-7; Ef 1.13; 2.8-10, 13-22; 2Ts 2.13; Tt 2.11-14; 3.4, 5; 1Pe 1.1-4) que deve confirmar ou desaprovar um comentário ou explicação do texto sagrado (Mt 18.17-20). Se alguém possui uma interpretação que a Igreja como um todo não concorda, tal interpretação não é segura, já uma interpretação, mesmo nova, mas que a Igreja concorda, a aceitabilidade fica confirmada e tranquila, e eclesiasticamente a interpretação se torna verdade doutrinária. É óbvio que, apesar da simplicidade dessa explicação, o assunto é mais controverso e complexo quando se pensa nas diversas igrejas com pensamentos contrários umas às outras, mas o princípio é este, e cada uma o aplique em seus posicionamentos interpretativos. Devemos lembrar que sempre Deus estará combatendo o pecado, glorificando seu Filho, exaltando a justiça, velando sua Palavra e exigindo o amor de uns para com os outros pela guarda de seus mandamentos. Jesus também disse que “Se alguém quiser fazer a vontade de Deus, pela mesma doutrina, que Ele ensinava, saberá se ela é de Deus, ou se Ele falava de si mesmo” (Jo 7.17). Assim, a busca por fazer a vontade de Deus é o meio de identificar o cristianismo autêntico, e, obviamente, o cristianismo autêntico é eminentemente prático em relação a doutrina contida no Novo Testamento (Mt 7.21-27; 28.18-20; 2Jo 2).

No verbete “interpretação bíblica” encontramos na Barsa:
Hermenêutica bíblica. “Muitos são os tipos de hermenêutica da Bíblia: (1) literal, tida como a mais fidedigna para a interpretação de certos livros, como Apocalipse; (2) moral, justificada pela consideração de que a Bíblia não é apenas uma regra de fé, mas de costumes, dificultada, contudo, pelo fato de terem ficado irrelevantes preceitos como o que proíbe cozer um cabrito no leite de sua mãe ; (3) alegórica, usada, em geral, para o Antigo Testamento (o ‘Cântico dos cânticos’ como símbolo da união entre Deus e alma ou entre o Cristo e a sua Igreja); (4) tipológica, que considera o Antigo Testamento figura do Novo (a arca de Noé identificada com a Igreja; José do Egito com o outro José, a que também seria confiada a guarda do Pão; o Cristo como o segundo Adão); (5) analógica ou mística (Maria como segunda Eva); (6) paralela (em que uma expressão grega ou hebraica usada no texto tem sempre o mesmo valor); (7) analógica (em que o texto é comparado à tradição correspondente ou com o consenso unânime da Patrística); (8) conforme a moda do tempo. Esse tipo de exegese aberrante (a besta do Apocalipse como figura do papa, para Lutero) é ainda recorrente, se bem que mais raro”.
“A exegese e a hermenêutica bíblicas tomaram novo rumo no séc. XX com William Wrede e Albert Schweitzer, que deram ênfase à escatologia do Novo Testamento. C.H. Dodd promoveu o movimento conhecido como ‘teologia bíblica’. Karl Barth, com seus comentários a São Paulo, lançou uma interpretação existencial do Novo Testamento, radicalizada depois por Rudoff Bultmann, sob influência de Wilheln Dilthey e Martin Heidegger. Bultmann e Dibelius são, talvez, os principais responsáveis pelo moderno estudo crítico do texto dos Evangelhos, aplicado, com o mesmo êxito, ao Antigo Testamento, por Hermann Gunkel e Sigmund Morwinckel. Na França, os estudos de hermenêutica receberam grande impulso por parte do cardeal Jean Daniélou e dos dominicanos da Escola Bíblica e Arqueológica (a que se deve a ‘Bíblia de Jerusalém’) e ao Pontifício Instituto Bíblico, de Roma. O concílio Vaticano II incentivou vigorosamente a hermenêutica católica, recomendando que se fizesse em associação com os ‘irmãos separados’, o que abre um novo horizonte à exegese e hermenêutica bíblicas”. (Enciclopédia Barsa, Volume 8, página 512).

A diferença da exegese para a hermenêutica.
Entendo que a exegese seria a “extração do significado para o leitor”, enquanto a hermenêutica seria a “exposição do significado obtido pelo leitor para outrem”. Estabeleço essa diferença pela própria etimologia das palavras. Exegese (evxh,ghsij) é uma palavra grega formada pela preposição evk (de dentro para fora) com o verbo h`ge,omai (conduzir, guiar). Enquanto a palavra “hermenêutica” estaria ligada a mesma raiz etimológica de Hermes, o deus da mitologia grega que transmitia as mensagens de Zeus para os homens. Assim, a hermenêutica é a interpretação exposta, explicada ou pregada aos outros e a exegese é a interpretação individual, ocorrida da leitura de um texto ou mensagem que se busca entender.

Para concluir, quero dizer que, mesmo havendo muitas interpretações da Bíblia, pelas diversas facções religiosas, ainda assim, creio que apenas uma interpretação é verdadeira, a saber, a do próprio Deus, que a revela pelo Espírito Santo, sua terceira pessoa, que inspirou os autores sacros (1Co 2.10-16; 2Pe 1.20, 21), a toda pessoa que em sinceridade buscar a verdade, já que a dádiva do Espírito Santo não é privilégio de uma pessoa ou grupo específico, mas para todas as pessoas (At 2.38, 39).

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Camelo ou corda?

Há muitas atrocidades interpretativas fruto da imaginação de exegetas e tradutores de grego amadores. Uma que já vi de difícil diagnóstico e solução é aquela sobre Mt 19.24 que lemos: “E, outra vez vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no Reino dos céus”. A palavra grega traduzida por “camelo” é κάμηλος, mas numa leitura variante de manuscritos gregos encontramos κάμιλος que significa “corda grossa”. Já outros têm dito que o buraco em questão era um fenda que existia em Israel que não permite um camelo passar porque este animal não consegue fazer um contorção no corpo. É evidente que algum copista tentou amenizar a hipérbole feita por Jesus no texto em questão. Mas e então, como sair desse entrave e impasse?
Minha solução vem da etimologia da palavra grega para “agulha” que também ocorre no texto. A palavra grega é ραφίς derivada de ράπτω e ραφή com significados respectivos de “costurar” e “costura”, desse modo, o buraco em questão é mesmo de uma agulha de costura, e não de alguma fenda rochosa. O contexto da passagem mostra que os discípulos ficaram surpresos entendendo claramente a ideia da impossibilidade sugerida por Jesus. Não há motivo justificável para se mudar a força da expressão “um camelo passar por um buraco de uma agulha” para “uma corda”. Tal mudança empobrece a frase, enfraquecendo da figura de linguagem.
Tenho muitas vezes parafraseado a frase de Jesus, substituindo “camelo” por “planeta” quando quero falar de algo impossível para provocar a sugestão de hipérbole. Por exemplo:
“É mais fácil passar o planeta Terra por um buraco de uma agulha do que um pobre de espírito sair do Reino de Deus. Porque não é assim o dom gratuito como a ofensa, porque, se pela ofensa de um morreram muitos, MUITO MAIS a graça de Deus, e dom pela graça, que é de um só homem, Jesus Cristo (Rm 5.15)?”.
Portanto, nada justifica amenizar a hipérbole, mas sim aumentá-la.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Correções de tradução bíblicas - Rm 10.15

Rm 10.15
πως δε κηρυξωσιν εαν μη αποσταλωσιν καθως γεγραπται ως ωραιοι οι ποδες των ευαγγελιzομενων τα αγαθα

“E como pregarão, se não forem enviados? Como está escrito: ‘Como oportunos são os pés daqueles que anunciam boas coisas’”.

A palavra ωραιοι deriva etimologicamente do vocábulo ω[ρα que se traduz praticamente transliterada por “hora”, que é nossa palavra para significar um determinado momento do dia ou do tempo. O termo ωραιοι , portanto, não significa como vertem algumas traduções “bonito” ou “formoso”, mas algo que acontece no momento certo.

Correções de tradução bíblicas - Rm 16.7

Rm 16.7
ασπασαθε Ανδρονικον και Ιουνιαν τους συγγενεις μου και συναιχμαλωτους μου
οιτινες εισιν επισημοι εν τοις αποστολοις οι και.προ εμου γεγοναν εν Χριστω

“Saudai Andrônico e Júnias, meus parentes e meus co-prisioneiros, os quais foram notórios entre os apóstolos e que também estavam em Cristo antes de mim”.

Este texto bíblico é usado para argumentar que a mulher pode ocupar a função de liderança na igreja. Isso ocorre porque Júnias, no texto acima, tem sido confundido com uma mulher por ser um nome antecedido e terminado por “a”. Caso realmente seja uma mulher, os adeptos do ensino que a mulher pode ser pastor, encontrariam uma aparente prova nesse versículo, tendo em vista que o Apóstolo Paulo afirma que Júnias foi “bastante conceituado entre os Apóstolos” na maioria das traduções.
Mas vejamos se isso é confirmado num exame profundo do versículo em questão. Apresentarei cinco argumentos:

a) O verbo “saudar” em português, que traduz ασπασαθε apesar de ser um verbo transitivo direto, aquele que não pede uma preposição, pode às vezes ser preposicionado, como é o caso desse texto. Por isso, nas traduções o nome Júnias vem regido por um “a”, mas esse “a” não é o artigo feminino, como em “a gata”, “a menina”. Trata-se do “a” preposição, que não indica gênero, mas um aspecto verbal ligado ao verbo saudar, tanto é que Andrônico, que claramente é um nome masculino, vem também acompanhado da preposição “a”: “Saudai a Andrônico e a Júnias...”.

b) A palavra grega συγγενεις, traduzida por “parentes”, deve ser entendida como parentes de tribo. Ao que se percebe, Andrônico e Júnias eram da mesma tribo de Paulo, Benjamim (Fp 3.5), uma das mais conceituadas, juntamente com a tribo de Judá, depois da época do exílio babilônico, visto que as demais foram espalhadas depois do cativeiro da Assíria (2Reis 17.6-23), perdendo a língua hebraica e suas porções da terra santa, o que restou para elas foi apenas o consolo de visitar a cidade de Jerusalém nas festas judaicas (Jo 12.20; At 2.5). Com as conquistas de Alexandre, o Grande, juntamente com sua estratégia de difundir a cultura grega, o mundo do período de 300 antes de Cristo até 300 depois de Cristo viveu o período chamado helenístico, quando a língua grega passou a ser amplamente usada como língua comercial, desenvolvendo o dialeto chamado koiné (comum), que foi usado para se escrever o texto sagrado, tanto do Antigo (Septuaginta) como do Novo Testamento. Foi por conta dessa disseminação da cultura grega que as pessoas acabaram por adotar nomes gregos. Vejamos o caso do Apóstolo Pedro. Seu nome em hebraico é Simão, mas Jesus deu-lhe o apelido em grego de Pétros, que em aramaico é Cefas, e em latim é Pedro. Já o Apóstolo Paulo tem seu nome Saul em hebraico, em aramaico é Saulo, e em latim Paulo .
Andrônico e Júnias possuem nomes greco-romanos. O primeiro deriva da palavra grega “andros” que significa “homem”, e Júnias deriva do nome da deusa “Juno”, também conhecida por “Hera” na cultura grega. Ora, fica claro que tanto Andrônico como Júnias devem ter se convertido na festa de Pentecostes e influenciado na questão dos judeus de fala grega de Atos 6. Este texto mostra como foram escolhidos os diáconos. Todos, deve-se observar, com nomes gregos (At 6.5).
Em Jo 12.20-23, quando os judeus de fala grega procuraram Jesus, foram os Apóstolos que tinham nomes gregos que levaram a informação a Cristo (André, que significa “viril”, e Filipe, traduzido por “amigo de cavalos”), o que nos mostra tanto a forte influência da cultura grega na época de Jesus, como o preconceito que havia entre os judeus da tribo de Judá e Benjamim contra os seus irmãos de fala grega.
Andrônico e Júnias eram judeus como Paulo, da mesma tribo, provavelmente também nascidos em Tarso, e que tiveram o privilégio de se converterem em Jerusalém.

c) Como já foi dito acima, o nome Júnias deriva do nome da deusa “Juno”, que, apesar de ter a letra “o” no final, era um nome feminino. Isso deixa claro que o nome Júnias era masculino, tendo sido dado para homenagear a deusa greco-romana. Caso Júnias tivesse nascido mulher, seu nome seria simplesmente “Juno”, que para nós daria a impressão de ser um nome masculino. Todo o capítulo de 16 da carta aos Romanos está repleto de nomes de divindades e personalidades gregas. Temos Febe, que deriva do pré-nome do deus Apolo; Apeles; Herodião; Narciso, a divindade do amor-próprio ou da egolatria; Hermes, também conhecido por Mercúrio; Hermas, cidade que homenageava a Hermes; Júlia, derivado do nome do imperador romano Júlio; Olimpas que homenagea o monte Olimpo, lugar dos deuses gregos. Em alguns casos, como o de Febe, Hemas e Júlia, fica claro que o final da palavra alterava o gênero. É o caso de Júnias, que recebe um “a” para masculinizar.
Os nomes gregos não tinham dois gêneros comuns (andróginos), como ocorre hoje com alguns nomes, como Juraci (um nome indígena), que tanto pode ser de homem como de mulher. O único caso que conheço de um nome próprio que era diferenciado pelo artigo é o da vó de Timóteo, seu nome é Luís (a). As traduções têm vertido a forma grega Λωιδι (Louide) equivocadamente por Lóide, mas a forma que encontramos no texto sagrado é o adjunto adnominal de Λωις. Literalmente Λωιδι significa “de Luís (a)”, mas os tradutores apenas transliteraram (substituíram as letras gregas pelas portuguesas) nas traduções, tendo entrado para a história o nome Loíde, e, na pior das hipóteses, “Lóide”.

d) A palavra grega συναιχμαλωτους, traduzida por “co-prisioneiros”, é formada da junção da preposição grega συν (com) com o substantivo αιχμαλωσια (cativeiro, Ef 4.8; Ap 13.10). Isso pode nos levar a concluir que Paulo, Andrônico e Júnias estavam na mesma cela. Daí a dedução óbvia de que Júnias não poderia ser uma mulher, pois a justiça romana, que inspira a atual, não iria pôr numa mesma cela homens e mulheres. Em Atos 9.2, lemos que Paulo levava presos (verbo grego δε,ω que quer dizer amarrados, atados) tanto homens como mulheres para Jerusalém, mas isto não quer dizer que iriam serem lançados na mesma prisão os homens e as mulheres. Se, na lei de Moisés, era proibido o homem se vestir com roupas de mulher e vice-versa para não haver confusão, quanto mais colocar homens e mulheres numa mesma prisão. Além do mais, pôr homens e mulheres juntos numa mesma cela poderia aliviar os prisioneiros da abstinência sexual, o que, de forma alguma, se deseja para criminosos.

e) A palavra grega επισημοι, traduzida por “notórios”, ocorre apenas duas vezes no Novo Testamento, na referência de Rm 16.7 e em Mt 27.16, onde lemos: “Nesse tempo tinham um preso notório, chamado Barrabás”. Fica claro, comparando as duas passagens, que o sentido que Paulo queria dizer com εvπι,σημοι não era que Andrônico e Júnias pertenciam ao colégio apostólico, mas que apenas eram conhecidos pelos apóstolos.

Mas o que fez acontecer essa confusão com o nome de Júnias, se é de um homem ou de uma mulher?
Isso aconteceu por causa de uma variante textual do Novo Testamento grego, o Papiro 46, onde se encontra no lugar do nome masculino “Júnias”, o nome feminino “Júlias”.
Mas uma análise do Papiro é elucidativa. Primeiro precisa ser dito que o grego bíblico, o koiné, foi escrito inicialmente em caracteres maiúsculos, a chamada escrita “uncial”. Sabendo disso, fica simples descobrir o problema que houve. Em uncial o nome “Júnias” ficaria ΙΥΝΙΑΣ e facilitaria o sumiço do último traço da letra Ν grega, dando a impressão de se tratar do “L” grego maiúsculo que tem a forma da nossa letra “v” de cabeça para baixo: Λ.
Apagando o último traço da letra Ν do nome masculino ΙΥΝΙΑΣ, obteve-se: ΙΥΛΙΑΣ, um nome feminino.

domingo, 6 de junho de 2010

Correções de traduções bíblicas – João 14.1-3

μη ταρασσεσθω υμων η καδια, πιστευετε εις τον θεον και εις εμε πιστευετε. Εν τη οικια του πατρος μου μοναι πολλαι εισιν ει δε μη ειπον αν υμιν οτι πορευομαι ετοιμασαι τοπον υμιν; και εαν πορευθω και ετοιμασω τοπον υμιν, παλιν ερχομαι και παραλημψαι υμας προς εμαυτον, ινα οπου ειμι εγω και υμεις ητε.

“Não seja turbado o vosso coração; crede em Deus e também em mim, na casa de meu pai existem muitas moradas; SE NÃO, EU TERIA DITO A VÓS QUE IRIA PREPARAR LUGAR? E se eu for e preparar lugar para vós, novamente voltarei e levarei a vós para mim mesmo, a fim de que onde eu estou, estejais vós também”.

A falha cometida pelas traduções é a de fazer uma parada na segunda sentença do texto, traduzindo: “se não, eu vos lho teria dito. Vou preparar-vos lugar”. Ora, Jesus não está afirmando que vai preparar lugar para os discípulos, o que Ele está dizendo é que, se na casa do seu Pai, não existissem lugares, Ele teria dito a eles que iria preparar lugar. Partindo dessa hipótese (de não haver lugares), Ele então afirma que, se fosse preparar o lugar, teria o cuidado de voltar para levá-los. Portanto, a condicional existe pelo tom hipotético de sua declaração. No entanto, os dicionários de grego bíblico tiveram a coragem de mudar o sentido da condicional εαν de “se” para “quando”, porque o texto (mal traduzido) induzia a dúvida em Cristo.

sábado, 5 de junho de 2010

Correções de traduções bíblicas – Lucas 11.27, 28

3) Lucas 11.27,28
Εγενετο δε εν τω λεγειν αυτον ταυτα επαρασα τις φωνην γυνη εκ του οχλου ειπεν αυτω, Μακαrια η κοιλια η βαστασασα, σε και μαστοι ους εθηλασας αυτος δε ειπεν, μενουν μακαrιοι οι ακουοντες τον λογον του θεου και φυλασσοντες.

“Aconteceu que, ao dizer estas coisas, levantou a voz certa mulher da multidão, dizendo para Jesus: Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os seios que te amamentaram! E Jesus disse: VERDADEIRAMENTE são bem-aventurados os que ouvem a palavra de Deus e a guardam”.

O termo grego μενουν, conforme o Léxico do Novo Testamento Grego, de Frederick W. Danker, página 133, ocorre apenas em três passagens em todo o Novo Testamento, em Rm 9.20; Fp 3.8 e na registrada passagem de Lucas, e apenas em Lucas o termo tem o sentido de contrariedade ou adversativo, nas outras duas passagens sua tradução tem um sentido afirmativo.
Analisando agora pela hermenêutica, vemos que, no Evangelho de Lucas, Maria de fato guardou a palavra de Deus enviada a ela pelo Anjo Gabriel, ao receber o anúncio de que seria a mãe do Filho de Deus. Ela afirmou: Aqui está a serva do Senhor; que se cumpra em mim conforme a tua palavra (Lc 1.38); o que depois confirmou a sua parente Isabel, cheia do Espírito Santo: Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre! E de onde me provém que me venha visitar a mãe do meu Senhor? Pois, logo, que me chegou aos ouvidos a voz da tua saudação, a criança estremeceu de alegria dentro de mim. Bem-aventurada a que CREU, porque serão cumpridas as palavras que lhe foram ditas da parte do Senhor (Lc 1.42-45).
Se fizermos o paralelo desses dois trechos de Lucas acima citados com o trecho que analisamos no início, ficará claro que Jesus não seria contra alguém chamar sua mãe bem-aventurada, pois foi exatamente por ela ouvir e guardar a palavra de Deus que ela veio a ser assim considerada. O texto, portanto, de Lc 11.27,28 seria assim o cumprimento do que profetizara a própria Maria em seu cântico Magnificat: “Minha alma engrandece o Senhor, e meu espírito exulta em Deus em meu Salvador, porque olhou para a humilhação de sua serva. Sim! Doravante as gerações me chamarão de bem-aventurada, pois o Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor, Seu nome é santo” (Lc 1.46-49).